sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

ARTE POÉTICA









Nicolas BOILEAU
Paris, 1636-1711


 

L’ART POÉTIQUE, 1674

SONNET

« On dit, à ce propos, qu'un jour ce dieu bizarre, (Apollon)
Voulant pousser à bout tous les rimeurs françois,
Inventa du Sonnet les rigoureuses lois ;
Voulut qu'en deux quatrains, de mesure pareille,
La rime, avec deux sons, frappât huit fois l'oreille ;
Et qu'ensuite six vers, artistement rangés,
Fussent en deux tercets par le sens partagés.
Surtout, de ce Poème il bannit la licence ;
Lui-même en mesura le nombre et la cadence ;
Défendit qu'un vers faible y pût jamais entrer,
Ni qu'un mot déjà mis osât s'y remontrer.
Du reste, il l'enrichit d'une beauté suprême
Un sonnet sans défaut vaut seul un long Poème.»

Nicolas BOILEAU


Tradução para português:

Conta-se que com elles divertir-se
Quiz Phebo do seu fogo sempre avaro,
E para os confundir o Deos discreto
Inventa as Leis terriveis de um Soneto.

Dispôz q em dois quartetos bem medidos
Soassem oito vezes dois consoantes,
Logo seus versos destramente unidos
Componhaõ dois tercetos elegantes:
Sem licença poetica opprimidos
Com este metro afflige os ignorantes,
De hum verso máo desterra a insufficiencia,
Por si regula o numero, a cadencia.

Adornou-o com graça a mais suprema,
E huma voz naõ permitte repetida;
Val hum Soneto hum Epico Poema,
Se sem erro o formou vêa luzida.

Conde da Ericeira





quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

METÁFORA DA AMBIÇÃO









D.Francisco Manuel de Melo
Lisboa, 1608-1666


Vivia aquele freixo no alto monte,
Verde e robusto; apenas o tocava
O brando vento, apenas o deixava
De abraçar pelos pés aquela fonte.

Tão soberbo, despois levanta a fronte,
Como pavão, do bosque donde estava,
Envejoso de ver que o mar cortava
Um pinho que nasceu dele defronte.

Ora saiu da terra e foi navio,
Lutou c'o mar, lutou c'o vento em guerra:
Quedas viu ser o que esperava abraços...

Ei-lo que chora em vão seu desvario.
De longe a vê, chegar deseja à terra:
Não lh'o consente o mar, nem em pedaços!


D. Francisco Manuel de Melo

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

ESTE LADO PARA CIMA









João Luís Barreto Guimarães
Natural do Porto (1967)

6A23742907
MIL ESCUDOS
ch.12
LISBOA, 6 de FEVEREIRO DE 1992

podia jurar que já tive esta nota na
mão gostava mais das de cem (Bocage
sempre era poeta) um de nós nunca
esquecia bigodes e cicatrizes sobre

o seu carão moreno assinando o curto
nome pelo banco de Portugal nomeando
nosso Bocage governador por uns dias.

a nota de mil amanhã será como a
tangerina (há tanto tempo na terrina
caíu na classe dos frutos secos).

vem aí outro dinheiro (aposto: vai
ser azul) guardo esta nota antiga na
caixa da ilusão esta nota é um país
em vias de extinção

João Luís Barreto Guimarães




terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

O AFRICANO













Afonso Quinto, o rei dito Africano,
perdeu em Toro a nobre sucessão
do trono de Castela. E desde então
foi renascendo o sonho franciscano.

Não pretendia já um reino humano
de falso amor, ganância, vil traição.
De paz e bem se fez o coração
que sempre em guerra tinha o soberano.

Não desejava vénias clericais
mas hábitos honestos usuais
vivendo mais perfeita a lei divina.

Em Varatojo, ouvia no silêncio
os velhos moinhos a cantar ao vento
e um rumor puro de água cristalina.


Abel da Cunha

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

A EXCELENTE SENHORA













Em Santa Clara, abrindo a janela,
podia ver os campos do Mondego.
Entrava um melancólico sossego
enchendo a pequenez da sua cela.

Joana era princesa de Castela,
moeda nupcial de um vão desejo.
Em Santarém, já tinha visto o Tejo
e a mesma solidão morava nela.

Pensava, desfazendo a longa renda,
em reinos e num rei sempre afastado:
onde haverá alguém que compreenda

tanta traição que o mundo tem gerado?
Os reinos todos são história e lenda
e nenhum rei merece ser amado.


Abel da Cunha

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

O ROSTO QUE SONHA








José Alberto de Oliveira
Natural de Santo Tirso (1945)


para José Rodrigues

Não se sabe donde
vêm a mão,
o silêncio e a luz.

Com elementos primordiais,

com legendas vivas
do Santo de Assis,

descem e mostram o rosto
que sonha demasias,

demasias de ser e ternura.

Debaixo da mão,
do silêncio e da luz,

resplende e sonha
o primeiro de muitos rostos.


José Alberto de Oliveira