sábado, 29 de outubro de 2011

LAPIDAÇÃO









Sakineh Mohammadi Ashtiani
condenada à morte por lapidação


O Mestre escrevia a sentença
na terra com palavras de clemência
diante da mulher já condenada.

O povo tinha as mãos cheias de pedras
os olhos cegos de profundas trevas
querendo a morte ao vivo encenada.

A força da sentença era um mistério
da cor do pó erguido contra o vento.
Frustrado o povo afastou-se sério
dobrando e desdobrando o pensamento.

Rasgaram longas vestes no Sinédrio
clamaram pela Tora à dura porta:
que a morte tinha um nome era de pedra
que a vida essa teria de ser morta.

Abel da Cunha


NOTA:
Comentários escritos para o blogue da revista romena
Contemporary Literary Horizon onde foi publicado
pela primeira vez o poema Lapidação:

MACHADO DA CUNHA (MC) escolheu preferencialmente o soneto para descodificar a sua linguagem poética. A formatação clássica deriva certamente da exigência cultural que os temas respiram, a impor a conta e o peso, mas nem sempre a medida recomendada para os 14 versos. Porque é a medida que marca o ritmo, a melopeia, e essa não se prende em sílabas ou preocupações tónicas, desenrola-se serena na caruma das ondas formada pelas palavras, descuidadas de tempo e espaço. MC colhe a inspiração nos escaninhos da história e deixa que ela lhe percorra as veias de melólogo, até que as letras sejam frases e as frases vibrações musicais, em clave de sol que brilha no pentagrama da vida. Quem tem ouvidos de ouvir, que veja.

Ricardo de Saavedra
Charneca do Barril (Portugal), 27.02.2012


O poeta vimaranense Abel da Cunha é um lídimo continuador da geração
nortenha de poetas portugueses que, apesar de pós modernistas confessos, sempre resistiram às tentações facilitistas do mercantilismo literário. Assim, dentro de uma expressão escrita emotiva e circunstancialmente intervencionista, procuram engendrar uma poética atual sem perder de vista os moldes classicistas que lhes vão servindo de inspiração e modelo.

Frassino Machado


"Dobrando e desdobrando o pensamento", Abel da Cunha constroi o poema.
Lapidação alude ao confronto aceso entre a vida e a morte, a investida e a
brandura; entre o sentido agreste das pedras e o sopro do ser; entre a
bondade santificante e as mãos lapidantes.
No calor do terreiro público, a cena é densa como denso é o poema que se
ergue entre o ritmo verbal e o movimento firme do pensamento.

J. Alberto de Oliveira



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