quinta-feira, 9 de abril de 2009

DANÇA DAS HORAS


Hora de prima e outras horas vão
Dançando pelo tempo lentamente
Embalam o fervor adolescente
Num berço sonolento de oração.

A noite acorda ao toque de matinas
Abrindo celas de silêncio denso
No peito ardem corações de incenso
Enchendo o ar de nuvens peregrinas.

Antífonas e salmos alternados
Ressoam pelas góticas arcadas
Num canto chão de mística ansiedade.

Agora - breviários encerrados –
As vozes dos coristas são caladas
Dançando nos vitrais a claridade.

Abel Cunha
Foto: Dali - Persistência da memória



------------------------------------------------------------------
------------------------------------------------------------------
Salvador Dali
Porque o tempo não cabia nos esquemas fechados
- o tempo, moldura do desassossego -
havia que sacrificar os relógios sobre as árvores
como condenados pendulares por reincidentes heresias,
dar-lhes uma inconsistência gelatinosa, um murro
no cérebro onde o tic-tac fere a calma.


Sabias que bastava um instante de génio ou de loucura,
uma combinação conspirativa de tintas e visões
para que toda a engrenagem pasmasse e sofresse
o hematoma lilás das tuas fúrias.


Porque o tempo não cabia nas amplas categorias
da tua ontologia — lúcido paradigma do absurdo
sentido na lentidão da tela contra a espera.


E assim teus relógios se derramaram
num ritmo mole alheio ao pulso,
incapazes de um tempo inteiro e firme
contra a pressa absurda dos utentes.

Cláudio Lima – 02.02.99

Sem comentários: